Homilia do Domingo de Ramos na Paixão do
Senhor
Aos louvores da entrada triunfal de Nosso Senhor em Jerusalém logo se
sucederam as dores da Paixão. Como explicar esta contradição. O Senhor sofreu por causa dessa luta entre o bem e o mal que existe no mundo.
II - Domingo de Ramos, início das dores
Com a Encarnação do Verbo a obra das trevas conheceu sua ruína. E o confronto entre o bem e o mal encontrará o seu modelo, até o fim dos tempos, na luta implacável de Nosso Senhor contra os escribas e os fariseus, narrada longamente por todos os Evangelistas. O maldito filão do mal encontrou diante de si um Varão que fundou uma Instituição para combatê-lo, o Homem-Deus diante do qual foi obrigado a ouvir as verdades mais contundentes e penetrantes, a ponto de ser-lhe arrancada a máscara da hipocrisia, aos olhos de todo o povo.
Na Liturgia do Domingo de Ramos vamos assistir ao desfecho dessa luta. Nesse dia a Igreja comemora, ao mesmo tempo, as alegrias da entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo em Jerusalém e o início de sua Via-Sacra, com a proclamação da Paixão no Evangelho da Missa. Abre-se, assim, a Semana Santa, talvez o período do Ano Litúrgico mais intenso, durante o qual as principais celebrações se sucedem, convidando-nos a considerar com especial fervor os acontecimentos que constituem o cerne de nossa Redenção.
Inteira conformidade com a vontade do Pai
Ora, até então Nosso Senhor sempre evitara qualquer homenagem ostensiva à sua realeza, impondo silêncio àqueles que reconheciam n'Ele o Salvador. Na entrada em Jerusalém neste dia, pelo contrário, aceitou com inteira naturalidade as honras e aplausos. Tal atitude, além de permitir que as pessoas por Ele beneficiadas manifestassem sua gratidão de maneira formal, tinha em vista também a Paixão, pois era preciso ficar notório e testemunhado pelo próprio povo que o Crucificado era o descendente de Davi por excelência, o Messias esperado.
Triunfo prenunciador da Paixão
O triunfo de Jesus em Jerusalém não era senão o prenúncio de seu martírio na Cruz. Os Evangelistas, sempre muito sintéticos, tiveram especial diligência ao consignar a Paixão de Cristo, acontecimento de importância ímpar na História. É por isso que o Evangelho da Missa deste domingo excede em extensão o habitual dos demais, o que impossibilita comentar cada um de seus versículos. Façamos, então, uma reflexão que nos coloque na adequada perspectiva para contemplar as maravilhas oferecidas pela Liturgia do Domingo de Ramos, de modo a obtermos os melhores frutos para nossa vida espiritual.
III - O mal se coligou para matar Nosso Senhor
Ódio dos maus, indiferença dos bons
Na Paixão do Senhor, lamentavelmente, muitos daqueles que se têm na conta de virtuosos não abraçam com decisão e coragem o partido do bem, permitindo, por isso, a expansão do domínio do mal. "Esta é a vossa hora e do poder das trevas" (Lc 22, 53), lamentava-Se o Salvador no momento de ser preso, sem que ninguém dentre os seus mais próximos tomasse sua defesa de maneira eficaz. Boa parte dos que haviam aclamado Jesus na entrada em Jerusalém com ramos e brados, por não terem aderido com profundidade ao Bem, estiveram mais tarde no meio da multidão vociferante votando por Barrabás.
Não nos custa admitir que na turba que exigia a condenação do Senhor estivesse alguém a quem Ele houvesse restituído a vista, e que não reagia diante do infame espetáculo; outro a quem Ele tivesse devolvido a audição e a fala, e que ouvia aquelas blasfêmias sem levantar a voz para protestar; outro, ainda, ao qual Ele houvesse curado da paralisia e que tivesse caminhado até ali apenas para saciar sua malsã curiosidade, assistindo impávido ao sofrimento de quem o beneficiara. Talvez muitos não quisessem que Nosso Senhor fosse crucificado, mas, por se terem deixado influenciar pelos maus, acabaram participando do pior crime já cometido na História. Todos, contudo, eram indiferentes, quando não hostis ao Divino Mestre.
Para evitar que também nós nos transviemos, seja no caminho da tibieza e da indiferença, seja no da ingratidão e da traição, devemos progredir com firmeza nas vias da santidade e cultivar nossa indignação ante o avanço ousado dos que recusam a Jesus. Sempre que os bons não entram pelas sendas da radicalidade, o mal leva a melhor.
Cabe aqui remover uma objeção no tocante à virtude da humildade: não será melhor e mais conforme aos ensinamentos de Nosso Senhor que os bons sejam humildes e resignados? A resposta é afirmativa no tocante a injúrias feitas a nós mesmos. Porém não é acertada se o alvo das agressões injustas forem as coisas sagradas, a Santa Igreja Católica ou alguma pessoa inocente. Em tal caso, manter-se passivo é repetir a atitude dos que assistiram com indiferença aos sofrimentos de Jesus Cristo.
Assim, na Paixão de Nosso Senhor o que mais chama a atenção não é a sanha dos inimigos, mas a indiferença dos bons. É este um aspecto esquecido, ainda que da maior importância, que cumpre ser lembrado hoje.
Nosso Senhor estava derrotando o mal
Os indiferentes e os tíbios, pretendendo pertencer ao número dos bons, estavam cegos de alma por sua própria atitude, a ponto de não perceberem que Nosso Senhor, em sua Via Dolorosa, alcançava o maior dos triunfos. Também os adversários do bem, com a vista turva de ódio, não se davam conta de que aceleravam sua própria ruína. "Ó morte onde está a tua vitória? Ó morte onde está teu aguilhão?" (I Cor 15, 55), exclama desafiante o Apóstolo. Morrendo na Cruz, o Divino Redentor vencia não só a morte mas também o mal, e deixava fundada sobre rocha firme uma instituição divina, imortal - a Santa Igreja Católica, seu Corpo Místico e fonte de todas as graças -, que enfraqueceu e dificultou a ação da raça da serpente, privando-a do poder esmagador e ditatorial que exercera sobre o mundo antigo.
Causa-nos júbilo saber que a aparente catástrofe da Paixão e Morte de Nosso Senhor marca a irremediável e estrondosa derrota de satanás. Este, insuflando os piores tormentos contra Jesus, iludia-se, julgando que caminhava para um êxito extraordinário contra o Bem encarnado. Em sua loucura não percebia como estava contribuindo para a glorificação do Filho de Deus e para a obra da Redenção.
Que glória, que triunfo, que fastígio atingira Nosso Senhor Jesus Cristo com sua Paixão! Que humilhação nos infernos, esmagados pelo erro de ignorar a força invencível do Bem!
IV - A solução para o problema do mal
Na meditação da Liturgia do Domingo de Ramos encontramos o fiel da balança para o problema da luta entre o bem e o mal. Com a Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o mal sofreu sua derrota definitiva, porque passou a vigorar sobre a face da Terra o regime da graça. Foi este o meio determinado pela Sabedoria Divina para acabar com a vitalidade e o dinamismo da linhagem de satanás, o qual, inconformado, tudo faz para se vingar; por isso a luta entre o bem e o mal continua sem tréguas, hoje mais do que nunca.
Quanto a nós, católicos, não podemos ignorar tal realidade, na qual, aliás, estamos envolvidos. E devemos estar muito atentos para um aspecto de suprema importância: esse embate se trava também dentro de nós. Da mesma forma como no Paraíso Terrestre existia a serpente, em nosso interior há serpentes que fazem um trabalho muito mais ladino do que o demônio com Eva. São nossas más tendências, em virtude do pecado original, sempre de espreita, esperando uma oportunidade para nos arrastar para o partido dos tíbios e indiferentes. Nessa batalha interna cabe-nos manter o mal amordaçado e humilhado, e dar ao bem toda a liberdade, o que só podemos alcançar com a graça de Deus.
Certo é que, quanto mais progredirmos na virtude, mais poderá se levantar contra nós uma acirrada oposição do poder das trevas. Dois mil anos de História da Igreja nos mostram com que facilidade essa oposição se transforma em ódio e em perseguição.(não ponhamos a cabeça debaixo da areia como a avestruz quando vê vir o perigo; a revolução francesa; século XX, o século com mais mártires, do comunismo, do nazismo, ou regimes ditatoriais; guerra civil espanhola etc., (aqui em Portugal a imoralidade crescente, o crime; o aborto, os casamentos entre homossexuais…) Não temamos, entretanto, o que nos possa advir, certos de que, como diz São Paulo, "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios" (Rm 8, 28). Avancemos, pois, seguros, com os olhos fixos n'Aquele que "se manifestou para destruir as obras do demónio" (I Jo 3, 8), pois quem é o diabo comparado com Nosso Senhor?
O mal é limitado, o bem é infinito
Como ensina a filosofia perene, o mal é uma ausência de bem. O mal absoluto não existe, ao contrário do que pretendem as correntes dualistas. Sendo, pois, uma mera negação do bem, por si só, não tem força para derrotá-lo. Deus é o Sumo Bem, o Bem em essência, e quem se unir com integridade a Ele, portanto, se tornará invencível, como que revestido da própria omnipotência divina.
Destas reflexões, nascidas da Liturgia que abre a Semana Santa, devemos tirar uma lição para os nossos dias, em que o mal e o pecado campeiam com arrogância pelo mundo inteiro: da luta entre o bem e o mal resulta necessariamente a vitória do bem, de modo que, cedo ou tarde, os justos serão premiados e "farão brilhar como uma tocha a sua justiça" (Eclo 32, 20). No momento em que uma parte considerável da humanidade vira as costas ao seu Criador e Redentor, somos chamados a crer com firme confiança que, como Nosso Senhor triunfou outrora contra todas as aparências de derrota, triunfará de novo restabelecendo a verdadeira ordem: "No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra" (Sl 129, 5).
(Cfr. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, O inédito sobre os Evangelhos, Vol. V, Libreria Editrice Vaticana, pp. 251-265)
Domingo de Ramos Ano C – 20/3/2016
I - Domingo de Ramos, início das dores
Com a Encarnação do Verbo a obra das trevas conheceu sua ruína. E o confronto entre o bem e o mal encontrará o seu modelo, até o fim dos tempos, na luta implacável de Nosso Senhor contra os escribas e os fariseus, narrada longamente por todos os Evangelistas. O maldito filão do mal encontrou diante de si um Varão que fundou uma Instituição para combatê-lo, o Homem-Deus diante do qual foi obrigado a ouvir as verdades mais contundentes e penetrantes, a ponto de ser-lhe arrancada a máscara da hipocrisia, aos olhos de todo o povo.
Na Liturgia do Domingo de Ramos vamos assistir ao desfecho dessa luta. Nesse dia a Igreja comemora, ao mesmo tempo, as alegrias da entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo em Jerusalém e o início de sua Via-Sacra, com a proclamação da Paixão no Evangelho da Missa. Abre-se, assim, a Semana Santa, talvez o período do Ano Litúrgico mais intenso, durante o qual as principais celebrações se sucedem, convidando-nos a considerar com especial fervor os acontecimentos que constituem o cerne de nossa Redenção.
Inteira conformidade com a vontade do Pai
Ora, até então Nosso Senhor sempre evitara qualquer homenagem ostensiva à sua realeza, impondo silêncio àqueles que reconheciam n'Ele o Salvador. Na entrada em Jerusalém neste dia, pelo contrário, aceitou com inteira naturalidade as honras e aplausos. Tal atitude, além de permitir que as pessoas por Ele beneficiadas manifestassem sua gratidão de maneira formal, tinha em vista também a Paixão, pois era preciso ficar notório e testemunhado pelo próprio povo que o Crucificado era o descendente de Davi por excelência, o Messias esperado.
Triunfo prenunciador da Paixão
O triunfo de Jesus em Jerusalém não era senão o prenúncio de seu martírio na Cruz. Os Evangelistas, sempre muito sintéticos, tiveram especial diligência ao consignar a Paixão de Cristo, acontecimento de importância ímpar na História. É por isso que o Evangelho da Missa deste domingo excede em extensão o habitual dos demais, o que impossibilita comentar cada um de seus versículos. Façamos, então, uma reflexão que nos coloque na adequada perspectiva para contemplar as maravilhas oferecidas pela Liturgia do Domingo de Ramos, de modo a obtermos os melhores frutos para nossa vida espiritual.
II - O mal se coligou para matar Nosso Senhor
Ódio dos maus, indiferença dos bons
Na Paixão do Senhor, lamentavelmente, muitos daqueles que se têm na conta de virtuosos não abraçam com decisão e coragem o partido do bem, permitindo, por isso, a expansão do domínio do mal. "Esta é a vossa hora e do poder das trevas" (Lc 22, 53), lamentava-Se o Salvador no momento de ser preso, sem que ninguém dentre os seus mais próximos tomasse sua defesa de maneira eficaz. Boa parte dos que haviam aclamado Jesus na entrada em Jerusalém com ramos e brados, por não terem aderido com profundidade ao Bem, estiveram mais tarde no meio da multidão vociferante votando por Barrabás.
Não nos custa admitir que na turba que exigia a condenação do Senhor estivesse alguém a quem Ele houvesse restituído a vista, e que não reagia diante do infame espetáculo; outro a quem Ele tivesse devolvido a audição e a fala, e que ouvia aquelas blasfêmias sem levantar a voz para protestar; outro, ainda, ao qual Ele houvesse curado da paralisia e que tivesse caminhado até ali apenas para saciar sua malsã curiosidade, assistindo impávido ao sofrimento de quem o beneficiara. Talvez muitos não quisessem que Nosso Senhor fosse crucificado, mas, por se terem deixado influenciar pelos maus, acabaram participando do pior crime já cometido na História. Todos, contudo, eram indiferentes, quando não hostis ao Divino Mestre.
Para evitar que também nós nos transviemos, seja no caminho da tibieza e da indiferença, seja no da ingratidão e da traição, devemos progredir com firmeza nas vias da santidade e cultivar nossa indignação ante o avanço ousado dos que recusam a Jesus. Sempre que os bons não entram pelas sendas da radicalidade, o mal leva a melhor.
Cabe aqui remover uma objeção no tocante à virtude da humildade: não será melhor e mais conforme aos ensinamentos de Nosso Senhor que os bons sejam humildes e resignados? A resposta é afirmativa no tocante a injúrias feitas a nós mesmos. Porém não é acertada se o alvo das agressões injustas forem as coisas sagradas, a Santa Igreja Católica ou alguma pessoa inocente. Em tal caso, manter-se passivo é repetir a atitude dos que assistiram com indiferença aos sofrimentos de Jesus Cristo.
Assim, na Paixão de Nosso Senhor o que mais chama a atenção não é a sanha dos inimigos, mas a indiferença dos bons. É este um aspeto esquecido, ainda que da maior importância, que cumpre ser lembrado hoje.
Nosso Senhor estava derrotando o mal
Os indiferentes e os tíbios, pretendendo pertencer ao número dos bons, estavam cegos de alma por sua própria atitude, a ponto de não perceberem que Nosso Senhor, em sua Via Dolorosa, alcançava o maior dos triunfos. Também os adversários do bem, com a vista turva de ódio, não se davam conta de que aceleravam sua própria ruína. "Ó morte onde está a tua vitória? Ó morte onde está teu aguilhão?" (I Cor 15, 55), exclama desafiante o Apóstolo. Morrendo na Cruz, o Divino Redentor vencia não só a morte mas também o mal, e deixava fundada sobre rocha firme uma instituição divina, imortal - a Santa Igreja Católica, seu Corpo Místico e fonte de todas as graças -, que enfraqueceu e dificultou a ação da raça da serpente, privando-a do poder esmagador e ditatorial que exercera sobre o mundo antigo.
Causa-nos júbilo saber que a aparente catástrofe da Paixão e Morte de Nosso Senhor marca a irremediável e estrondosa derrota de satanás. Este, insuflando os piores tormentos contra Jesus, iludia-se, julgando que caminhava para um êxito extraordinário contra o Bem encarnado. Em sua loucura não percebia como estava contribuindo para a glorificação do Filho de Deus e para a obra da Redenção.
Que glória, que triunfo, que fastígio atingira Nosso Senhor Jesus Cristo com sua Paixão! Que humilhação nos infernos, esmagados pelo erro de ignorar a força invencível do Bem!
III - A solução para o problema do mal
Na meditação da Liturgia do Domingo de Ramos encontramos o fiel da balança para o problema da luta entre o bem e o mal. Com a Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o mal sofreu sua derrota definitiva, porque passou a vigorar sobre a face da Terra o regime da graça. Foi este o meio determinado pela Sabedoria Divina para acabar com a vitalidade e o dinamismo da linhagem de satanás, o qual, inconformado, tudo faz para se vingar; por isso a luta entre o bem e o mal continua sem tréguas, hoje mais do que nunca.
Quanto a nós, católicos, não podemos ignorar tal realidade, na qual, aliás, estamos envolvidos. E devemos estar muito atentos para um aspeto de suprema importância: esse embate se trava também dentro de nós. Da mesma forma como no Paraíso Terrestre existia a serpente, em nosso interior há serpentes que fazem um trabalho muito mais ladino do que o demônio com Eva. São nossas más tendências, em virtude do pecado original, sempre de espreita, esperando uma oportunidade para nos arrastar para o partido dos tíbios e indiferentes. Nessa batalha interna cabe-nos manter o mal amordaçado e humilhado, e dar ao bem toda a liberdade, o que só podemos alcançar com a graça de Deus.
Certo é que, quanto mais progredirmos na virtude, mais poderá se levantar contra nós uma acirrada oposição do poder das trevas. Dois mil anos de História da Igreja nos mostram com que facilidade essa oposição se transforma em ódio e em perseguição. (não ponhamos a cabeça debaixo da areia como a avestruz quando vê vir o perigo; a revolução francesa; sec. XX, o século com mais mártires, do comunismo, do nazismo, ou regimes ditatoriais; guerra civil espanhola etc., aqui em Portugal a imoralidade crescente, o crime; o aborto, os casamentos entre homossexuais…) Não temamos, entretanto, o que nos possa advir, certos de que, como diz São Paulo, "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios" (Rm 8, 28). Avancemos, pois, seguros, com os olhos fixos n'Aquele que "se manifestou para destruir as obras do demônio" (I Jo 3, 8), pois quem é o diabo comparado com Nosso Senhor?
O mal é limitado, o bem é infinito
Como ensina a filosofia perene, o mal é uma ausência de bem. O mal absoluto não existe, ao contrário do que pretendem as correntes dualistas. Sendo, pois, uma mera negação do bem, por si só não tem força para derrotá-lo. Deus é o Sumo Bem, o Bem em essência, e quem se unir com integridade a Ele, portanto, se tornará invencível, como que revestido da própria onipotência divina.
Destas reflexões, nascidas da Liturgia que abre a Semana Santa, devemos tirar uma lição para os nossos dias, em que o mal e o pecado campeiam com arrogância pelo mundo inteiro: da luta entre o bem e o mal resulta necessariamente a vitória do bem, de modo que, cedo ou tarde, os justos serão premiados e "farão brilhar como uma tocha a sua justiça" (Eclo 32, 20). No momento em que uma parte considerável da humanidade vira as costas ao seu Criador e Redentor, somos chamados a crer com firme confiança que, como Nosso Senhor triunfou outrora contra todas as aparências de derrota, triunfará de novo restabelecendo a verdadeira ordem: "No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra" (Sl 129, 5).
Com a Encarnação do Verbo a obra das trevas conheceu sua ruína. E o confronto entre o bem e o mal encontrará o seu modelo, até o fim dos tempos, na luta implacável de Nosso Senhor contra os escribas e os fariseus, narrada longamente por todos os Evangelistas. O maldito filão do mal encontrou diante de si um Varão que fundou uma Instituição para combatê-lo, o Homem-Deus diante do qual foi obrigado a ouvir as verdades mais contundentes e penetrantes, a ponto de ser-lhe arrancada a máscara da hipocrisia, aos olhos de todo o povo.
Na Liturgia do Domingo de Ramos vamos assistir ao desfecho dessa luta. Nesse dia a Igreja comemora, ao mesmo tempo, as alegrias da entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo em Jerusalém e o início de sua Via-Sacra, com a proclamação da Paixão no Evangelho da Missa. Abre-se, assim, a Semana Santa, talvez o período do Ano Litúrgico mais intenso, durante o qual as principais celebrações se sucedem, convidando-nos a considerar com especial fervor os acontecimentos que constituem o cerne de nossa Redenção.
Inteira conformidade com a vontade do Pai
Ora, até então Nosso Senhor sempre evitara qualquer homenagem ostensiva à sua realeza, impondo silêncio àqueles que reconheciam n'Ele o Salvador. Na entrada em Jerusalém neste dia, pelo contrário, aceitou com inteira naturalidade as honras e aplausos. Tal atitude, além de permitir que as pessoas por Ele beneficiadas manifestassem sua gratidão de maneira formal, tinha em vista também a Paixão, pois era preciso ficar notório e testemunhado pelo próprio povo que o Crucificado era o descendente de Davi por excelência, o Messias esperado.
Triunfo prenunciador da Paixão
O triunfo de Jesus em Jerusalém não era senão o prenúncio de seu martírio na Cruz. Os Evangelistas, sempre muito sintéticos, tiveram especial diligência ao consignar a Paixão de Cristo, acontecimento de importância ímpar na História. É por isso que o Evangelho da Missa deste domingo excede em extensão o habitual dos demais, o que impossibilita comentar cada um de seus versículos. Façamos, então, uma reflexão que nos coloque na adequada perspectiva para contemplar as maravilhas oferecidas pela Liturgia do Domingo de Ramos, de modo a obtermos os melhores frutos para nossa vida espiritual.
III - O mal se coligou para matar Nosso Senhor
Ódio dos maus, indiferença dos bons
Na Paixão do Senhor, lamentavelmente, muitos daqueles que se têm na conta de virtuosos não abraçam com decisão e coragem o partido do bem, permitindo, por isso, a expansão do domínio do mal. "Esta é a vossa hora e do poder das trevas" (Lc 22, 53), lamentava-Se o Salvador no momento de ser preso, sem que ninguém dentre os seus mais próximos tomasse sua defesa de maneira eficaz. Boa parte dos que haviam aclamado Jesus na entrada em Jerusalém com ramos e brados, por não terem aderido com profundidade ao Bem, estiveram mais tarde no meio da multidão vociferante votando por Barrabás.
Não nos custa admitir que na turba que exigia a condenação do Senhor estivesse alguém a quem Ele houvesse restituído a vista, e que não reagia diante do infame espetáculo; outro a quem Ele tivesse devolvido a audição e a fala, e que ouvia aquelas blasfêmias sem levantar a voz para protestar; outro, ainda, ao qual Ele houvesse curado da paralisia e que tivesse caminhado até ali apenas para saciar sua malsã curiosidade, assistindo impávido ao sofrimento de quem o beneficiara. Talvez muitos não quisessem que Nosso Senhor fosse crucificado, mas, por se terem deixado influenciar pelos maus, acabaram participando do pior crime já cometido na História. Todos, contudo, eram indiferentes, quando não hostis ao Divino Mestre.
Para evitar que também nós nos transviemos, seja no caminho da tibieza e da indiferença, seja no da ingratidão e da traição, devemos progredir com firmeza nas vias da santidade e cultivar nossa indignação ante o avanço ousado dos que recusam a Jesus. Sempre que os bons não entram pelas sendas da radicalidade, o mal leva a melhor.
Cabe aqui remover uma objeção no tocante à virtude da humildade: não será melhor e mais conforme aos ensinamentos de Nosso Senhor que os bons sejam humildes e resignados? A resposta é afirmativa no tocante a injúrias feitas a nós mesmos. Porém não é acertada se o alvo das agressões injustas forem as coisas sagradas, a Santa Igreja Católica ou alguma pessoa inocente. Em tal caso, manter-se passivo é repetir a atitude dos que assistiram com indiferença aos sofrimentos de Jesus Cristo.
Assim, na Paixão de Nosso Senhor o que mais chama a atenção não é a sanha dos inimigos, mas a indiferença dos bons. É este um aspecto esquecido, ainda que da maior importância, que cumpre ser lembrado hoje.
Nosso Senhor estava derrotando o mal
Os indiferentes e os tíbios, pretendendo pertencer ao número dos bons, estavam cegos de alma por sua própria atitude, a ponto de não perceberem que Nosso Senhor, em sua Via Dolorosa, alcançava o maior dos triunfos. Também os adversários do bem, com a vista turva de ódio, não se davam conta de que aceleravam sua própria ruína. "Ó morte onde está a tua vitória? Ó morte onde está teu aguilhão?" (I Cor 15, 55), exclama desafiante o Apóstolo. Morrendo na Cruz, o Divino Redentor vencia não só a morte mas também o mal, e deixava fundada sobre rocha firme uma instituição divina, imortal - a Santa Igreja Católica, seu Corpo Místico e fonte de todas as graças -, que enfraqueceu e dificultou a ação da raça da serpente, privando-a do poder esmagador e ditatorial que exercera sobre o mundo antigo.
Causa-nos júbilo saber que a aparente catástrofe da Paixão e Morte de Nosso Senhor marca a irremediável e estrondosa derrota de satanás. Este, insuflando os piores tormentos contra Jesus, iludia-se, julgando que caminhava para um êxito extraordinário contra o Bem encarnado. Em sua loucura não percebia como estava contribuindo para a glorificação do Filho de Deus e para a obra da Redenção.
Que glória, que triunfo, que fastígio atingira Nosso Senhor Jesus Cristo com sua Paixão! Que humilhação nos infernos, esmagados pelo erro de ignorar a força invencível do Bem!
IV - A solução para o problema do mal
Na meditação da Liturgia do Domingo de Ramos encontramos o fiel da balança para o problema da luta entre o bem e o mal. Com a Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o mal sofreu sua derrota definitiva, porque passou a vigorar sobre a face da Terra o regime da graça. Foi este o meio determinado pela Sabedoria Divina para acabar com a vitalidade e o dinamismo da linhagem de satanás, o qual, inconformado, tudo faz para se vingar; por isso a luta entre o bem e o mal continua sem tréguas, hoje mais do que nunca.
Quanto a nós, católicos, não podemos ignorar tal realidade, na qual, aliás, estamos envolvidos. E devemos estar muito atentos para um aspecto de suprema importância: esse embate se trava também dentro de nós. Da mesma forma como no Paraíso Terrestre existia a serpente, em nosso interior há serpentes que fazem um trabalho muito mais ladino do que o demônio com Eva. São nossas más tendências, em virtude do pecado original, sempre de espreita, esperando uma oportunidade para nos arrastar para o partido dos tíbios e indiferentes. Nessa batalha interna cabe-nos manter o mal amordaçado e humilhado, e dar ao bem toda a liberdade, o que só podemos alcançar com a graça de Deus.
Certo é que, quanto mais progredirmos na virtude, mais poderá se levantar contra nós uma acirrada oposição do poder das trevas. Dois mil anos de História da Igreja nos mostram com que facilidade essa oposição se transforma em ódio e em perseguição.(não ponhamos a cabeça debaixo da areia como a avestruz quando vê vir o perigo; a revolução francesa; século XX, o século com mais mártires, do comunismo, do nazismo, ou regimes ditatoriais; guerra civil espanhola etc., (aqui em Portugal a imoralidade crescente, o crime; o aborto, os casamentos entre homossexuais…) Não temamos, entretanto, o que nos possa advir, certos de que, como diz São Paulo, "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios" (Rm 8, 28). Avancemos, pois, seguros, com os olhos fixos n'Aquele que "se manifestou para destruir as obras do demónio" (I Jo 3, 8), pois quem é o diabo comparado com Nosso Senhor?
O mal é limitado, o bem é infinito
Como ensina a filosofia perene, o mal é uma ausência de bem. O mal absoluto não existe, ao contrário do que pretendem as correntes dualistas. Sendo, pois, uma mera negação do bem, por si só, não tem força para derrotá-lo. Deus é o Sumo Bem, o Bem em essência, e quem se unir com integridade a Ele, portanto, se tornará invencível, como que revestido da própria omnipotência divina.
Destas reflexões, nascidas da Liturgia que abre a Semana Santa, devemos tirar uma lição para os nossos dias, em que o mal e o pecado campeiam com arrogância pelo mundo inteiro: da luta entre o bem e o mal resulta necessariamente a vitória do bem, de modo que, cedo ou tarde, os justos serão premiados e "farão brilhar como uma tocha a sua justiça" (Eclo 32, 20). No momento em que uma parte considerável da humanidade vira as costas ao seu Criador e Redentor, somos chamados a crer com firme confiança que, como Nosso Senhor triunfou outrora contra todas as aparências de derrota, triunfará de novo restabelecendo a verdadeira ordem: "No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra" (Sl 129, 5).
(Cfr. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, O inédito sobre os Evangelhos, Vol. V, Libreria Editrice Vaticana, pp. 251-265)
Domingo de Ramos Ano C – 20/3/2016
I - Domingo de Ramos, início das dores
Com a Encarnação do Verbo a obra das trevas conheceu sua ruína. E o confronto entre o bem e o mal encontrará o seu modelo, até o fim dos tempos, na luta implacável de Nosso Senhor contra os escribas e os fariseus, narrada longamente por todos os Evangelistas. O maldito filão do mal encontrou diante de si um Varão que fundou uma Instituição para combatê-lo, o Homem-Deus diante do qual foi obrigado a ouvir as verdades mais contundentes e penetrantes, a ponto de ser-lhe arrancada a máscara da hipocrisia, aos olhos de todo o povo.
Na Liturgia do Domingo de Ramos vamos assistir ao desfecho dessa luta. Nesse dia a Igreja comemora, ao mesmo tempo, as alegrias da entrada triunfal de Nosso Senhor Jesus Cristo em Jerusalém e o início de sua Via-Sacra, com a proclamação da Paixão no Evangelho da Missa. Abre-se, assim, a Semana Santa, talvez o período do Ano Litúrgico mais intenso, durante o qual as principais celebrações se sucedem, convidando-nos a considerar com especial fervor os acontecimentos que constituem o cerne de nossa Redenção.
Inteira conformidade com a vontade do Pai
Ora, até então Nosso Senhor sempre evitara qualquer homenagem ostensiva à sua realeza, impondo silêncio àqueles que reconheciam n'Ele o Salvador. Na entrada em Jerusalém neste dia, pelo contrário, aceitou com inteira naturalidade as honras e aplausos. Tal atitude, além de permitir que as pessoas por Ele beneficiadas manifestassem sua gratidão de maneira formal, tinha em vista também a Paixão, pois era preciso ficar notório e testemunhado pelo próprio povo que o Crucificado era o descendente de Davi por excelência, o Messias esperado.
Triunfo prenunciador da Paixão
O triunfo de Jesus em Jerusalém não era senão o prenúncio de seu martírio na Cruz. Os Evangelistas, sempre muito sintéticos, tiveram especial diligência ao consignar a Paixão de Cristo, acontecimento de importância ímpar na História. É por isso que o Evangelho da Missa deste domingo excede em extensão o habitual dos demais, o que impossibilita comentar cada um de seus versículos. Façamos, então, uma reflexão que nos coloque na adequada perspectiva para contemplar as maravilhas oferecidas pela Liturgia do Domingo de Ramos, de modo a obtermos os melhores frutos para nossa vida espiritual.
II - O mal se coligou para matar Nosso Senhor
Ódio dos maus, indiferença dos bons
Na Paixão do Senhor, lamentavelmente, muitos daqueles que se têm na conta de virtuosos não abraçam com decisão e coragem o partido do bem, permitindo, por isso, a expansão do domínio do mal. "Esta é a vossa hora e do poder das trevas" (Lc 22, 53), lamentava-Se o Salvador no momento de ser preso, sem que ninguém dentre os seus mais próximos tomasse sua defesa de maneira eficaz. Boa parte dos que haviam aclamado Jesus na entrada em Jerusalém com ramos e brados, por não terem aderido com profundidade ao Bem, estiveram mais tarde no meio da multidão vociferante votando por Barrabás.
Não nos custa admitir que na turba que exigia a condenação do Senhor estivesse alguém a quem Ele houvesse restituído a vista, e que não reagia diante do infame espetáculo; outro a quem Ele tivesse devolvido a audição e a fala, e que ouvia aquelas blasfêmias sem levantar a voz para protestar; outro, ainda, ao qual Ele houvesse curado da paralisia e que tivesse caminhado até ali apenas para saciar sua malsã curiosidade, assistindo impávido ao sofrimento de quem o beneficiara. Talvez muitos não quisessem que Nosso Senhor fosse crucificado, mas, por se terem deixado influenciar pelos maus, acabaram participando do pior crime já cometido na História. Todos, contudo, eram indiferentes, quando não hostis ao Divino Mestre.
Para evitar que também nós nos transviemos, seja no caminho da tibieza e da indiferença, seja no da ingratidão e da traição, devemos progredir com firmeza nas vias da santidade e cultivar nossa indignação ante o avanço ousado dos que recusam a Jesus. Sempre que os bons não entram pelas sendas da radicalidade, o mal leva a melhor.
Cabe aqui remover uma objeção no tocante à virtude da humildade: não será melhor e mais conforme aos ensinamentos de Nosso Senhor que os bons sejam humildes e resignados? A resposta é afirmativa no tocante a injúrias feitas a nós mesmos. Porém não é acertada se o alvo das agressões injustas forem as coisas sagradas, a Santa Igreja Católica ou alguma pessoa inocente. Em tal caso, manter-se passivo é repetir a atitude dos que assistiram com indiferença aos sofrimentos de Jesus Cristo.
Assim, na Paixão de Nosso Senhor o que mais chama a atenção não é a sanha dos inimigos, mas a indiferença dos bons. É este um aspeto esquecido, ainda que da maior importância, que cumpre ser lembrado hoje.
Nosso Senhor estava derrotando o mal
Os indiferentes e os tíbios, pretendendo pertencer ao número dos bons, estavam cegos de alma por sua própria atitude, a ponto de não perceberem que Nosso Senhor, em sua Via Dolorosa, alcançava o maior dos triunfos. Também os adversários do bem, com a vista turva de ódio, não se davam conta de que aceleravam sua própria ruína. "Ó morte onde está a tua vitória? Ó morte onde está teu aguilhão?" (I Cor 15, 55), exclama desafiante o Apóstolo. Morrendo na Cruz, o Divino Redentor vencia não só a morte mas também o mal, e deixava fundada sobre rocha firme uma instituição divina, imortal - a Santa Igreja Católica, seu Corpo Místico e fonte de todas as graças -, que enfraqueceu e dificultou a ação da raça da serpente, privando-a do poder esmagador e ditatorial que exercera sobre o mundo antigo.
Causa-nos júbilo saber que a aparente catástrofe da Paixão e Morte de Nosso Senhor marca a irremediável e estrondosa derrota de satanás. Este, insuflando os piores tormentos contra Jesus, iludia-se, julgando que caminhava para um êxito extraordinário contra o Bem encarnado. Em sua loucura não percebia como estava contribuindo para a glorificação do Filho de Deus e para a obra da Redenção.
Que glória, que triunfo, que fastígio atingira Nosso Senhor Jesus Cristo com sua Paixão! Que humilhação nos infernos, esmagados pelo erro de ignorar a força invencível do Bem!
III - A solução para o problema do mal
Na meditação da Liturgia do Domingo de Ramos encontramos o fiel da balança para o problema da luta entre o bem e o mal. Com a Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, o mal sofreu sua derrota definitiva, porque passou a vigorar sobre a face da Terra o regime da graça. Foi este o meio determinado pela Sabedoria Divina para acabar com a vitalidade e o dinamismo da linhagem de satanás, o qual, inconformado, tudo faz para se vingar; por isso a luta entre o bem e o mal continua sem tréguas, hoje mais do que nunca.
Quanto a nós, católicos, não podemos ignorar tal realidade, na qual, aliás, estamos envolvidos. E devemos estar muito atentos para um aspeto de suprema importância: esse embate se trava também dentro de nós. Da mesma forma como no Paraíso Terrestre existia a serpente, em nosso interior há serpentes que fazem um trabalho muito mais ladino do que o demônio com Eva. São nossas más tendências, em virtude do pecado original, sempre de espreita, esperando uma oportunidade para nos arrastar para o partido dos tíbios e indiferentes. Nessa batalha interna cabe-nos manter o mal amordaçado e humilhado, e dar ao bem toda a liberdade, o que só podemos alcançar com a graça de Deus.
Certo é que, quanto mais progredirmos na virtude, mais poderá se levantar contra nós uma acirrada oposição do poder das trevas. Dois mil anos de História da Igreja nos mostram com que facilidade essa oposição se transforma em ódio e em perseguição. (não ponhamos a cabeça debaixo da areia como a avestruz quando vê vir o perigo; a revolução francesa; sec. XX, o século com mais mártires, do comunismo, do nazismo, ou regimes ditatoriais; guerra civil espanhola etc., aqui em Portugal a imoralidade crescente, o crime; o aborto, os casamentos entre homossexuais…) Não temamos, entretanto, o que nos possa advir, certos de que, como diz São Paulo, "todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios" (Rm 8, 28). Avancemos, pois, seguros, com os olhos fixos n'Aquele que "se manifestou para destruir as obras do demônio" (I Jo 3, 8), pois quem é o diabo comparado com Nosso Senhor?
O mal é limitado, o bem é infinito
Como ensina a filosofia perene, o mal é uma ausência de bem. O mal absoluto não existe, ao contrário do que pretendem as correntes dualistas. Sendo, pois, uma mera negação do bem, por si só não tem força para derrotá-lo. Deus é o Sumo Bem, o Bem em essência, e quem se unir com integridade a Ele, portanto, se tornará invencível, como que revestido da própria onipotência divina.
Destas reflexões, nascidas da Liturgia que abre a Semana Santa, devemos tirar uma lição para os nossos dias, em que o mal e o pecado campeiam com arrogância pelo mundo inteiro: da luta entre o bem e o mal resulta necessariamente a vitória do bem, de modo que, cedo ou tarde, os justos serão premiados e "farão brilhar como uma tocha a sua justiça" (Eclo 32, 20). No momento em que uma parte considerável da humanidade vira as costas ao seu Criador e Redentor, somos chamados a crer com firme confiança que, como Nosso Senhor triunfou outrora contra todas as aparências de derrota, triunfará de novo restabelecendo a verdadeira ordem: "No Senhor ponho a minha esperança, espero em sua palavra" (Sl 129, 5).
Fonte: (Cfr. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, O inédito sobre os Evangelhos, Vol. V, Libreria Editrice Vaticana, pp. 251-265)