III - A Natureza da RELIGIÃO
No Tema anterior abordámos a verdade dogmática da Existência de Deus: dentro deste tema referimos: que a Existência de Deus é uma verdade fundamental e demonstrável; para se conhecer a Deus é necessário querer conhecê-lo; o conhecimento natural de Deus a partir das criaturas, ou seja: “Por Deus ser infinito em todas as perfeições, não podemos conhecê-Lo directamente: deduzimos a sua existência a partir do mundo e das coisas criadas, que nos levam ao conhecimento do Criador. Vimos a demonstração racional da existência de Deus, a partir das provas demonstrativas da Sua existência, as quais na sua maioria, utilizam no processo demonstrativo o princípio de causalidade. Dentro desta temática da Existência de Deus, apresentámos também a possibilidade de se negar a Deus, nisto se enquadra a problemática dos ateus e suas espécies.
Vamos agora entrar noutro tema:
1.4. NATUREZA DA RELIGIÃO
1.4.1. SENTIDO E ORIGEM DA PALAVRA RELIGIÃO
A palavra Religião engloba dois sentidos principais:
a) Como ciência que aperfeiçoa o nosso entendimento - e assim dizemos que a Religião é a mais necessária das ciências. Recebe também o nome de Teologia (a qual é composta pelas palavras da língua gregas: Theos – significa Deus- e logos – que significa tratado-)
b) (Religião) Como virtude que aperfeiçoa a nossa vontade - e neste sentido dizemos que tal pessoa é muito religiosa. S. Tomás na sua Suma Teológica define-a como a virtude que nos inclina a prestar a Deus o respeito, a honra e o culto devidos (cf. S. T/J. II-II, q. 81, a. 5).
Aqui, apenas trataremos da Religião como ciência; quanto à virtude, estuda-se na Moral (*).
É bom, por outro lado, observar que do conhecimento da Religião nasce a virtude da religião, pois não podemos amar, honrar e servir a Deus sem previamente O conhecermos.
A palavra Religião vem do latim religare, que significa ligar, atar; pois a Religião é o laço que une o homem a Deus mediante o amor e o serviço.
1.4.2. DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO
A Religião é a ciência que nos ensina o conhecimento de Deus, dos deveres que Deus nos impôs, e dos meios que nos levam a Ele.
1.° Diz-se que é a ciência do conhecimento de Deus, porque a primeira coisa que ensina são as verdades acerca do próprio Deus. Ensina também certo número de verdades que indirectamente se referem a Deus e que tomam o nome de verdades religiosas; exemplo, a existência da alma humana, da vida depois da morte, etc.
2.° A Religião é a ciência dos deveres que Deus nos impôs, porque sendo Deus o Ser Supremo e também o nosso Criador e último fim, nos impôs certos deveres que temos obrigação de cumprir e que a Religião nos indica.
Desses deveres, uns dirigem-se directamente a Deus, outros ao próximo, outros a nós mesmos. Por exemplo:
a) Para com Deus, temos o dever de O adorar e O servir.
b) Para com o próximo, o dever de respeitar-lhe a vida e os bens.
c) Para com nós mesmos, o de procurar a nossa salvação.
3.° Acrescenta-se que a Religião é a ciência dos meios que levam a Deus, porque o próprio Deus Se dignou manifestar-nos alguns meios muito adequados para nos conduzir para Ele, meios esses que a Religião estuda; por exemplo, a oração e os sacramentos.
Deus, na sua bondade, dispôs que esses meios, ao mesmo tempo que honram a Deus, santifiquem a nossa alma. Por isso recebem o nome de meios de santificação.
1.4.3. ELEMENTOS QUE CONTÉM
Do que fica dito se depreendem os três elementos que integram a Religião como ciência: o Dogma, a Moral e o Culto.
O Dogma – ou Teologia dogmática -compreende as verdades que devemos crer. A Teologia Moral, ou simplesmente Moral, ensina as obras que devemos praticar. E o Culto, os meios de santificação com que honramos a Deus e procuramos a salvação; estes meios são estudados na Teologia dos Sacramentos.
Os elementos da Religião estão compendiados, principalmente, em: O Dogma - no Credo; a Moral - nos Mandamentos; o Culto - na Oração e nos Sacramentos. As diversas cerimónias da Igreja com que se presta o Culto, têm o nome de Liturgia.
O Dogma é o elemento que constitui o ponto de partida da Religião.
Com efeito, sem conhecer a Deus, a Religião por Ele revelada e a Igreja por Ele fundada, dificilmente poderemos obedecer aos seus Mandamentos ou beneficiar dos meios de santificação que nos oferece.
1.4.4. O FIM DA RELIGIÃO
Na Religião podemos distinguir um duplo fim:
a) O seu fim próximo, que é o conhecimento, o amor e o serviço de Deus nesta vida.
b) E o seu fim remoto, que é procurarmos alcançar a posse de Deus no Céu.
1.5. RELIGIÃO NATURAL E RELIGIÃO REVELADA
1.5.1. NOÇÃO
Conhecemos a Deus de dois modos: por meio da razão e por meio da revelação.
a) A razão é a luz natural que Deus deu ao nosso entendimento para conhecermos as coisas.
Com a simples força da razão natural - isto é, sem intervenção especial de Deus podemos conhecer várias verdades religiosas; p. ex., que há um só Deus, que temos alma, que há uma outra vida depois da morte, etc. (cf. Dz. 1785, 1806, 2145, etc.).
b) A Revelação é a manifestação feita por Deus aos homens de algumas verdades de ordem religiosa; por exemplo: que Jesus Cristo é o Filho de Deus feito homem e que morreu para nos salvar; ou que em Deus há três Pessoas distintas; etc.
Ao conjunto das verdades religiosas que o homem pode conhecer pela simples luz da razão dá-se o nome de Religião NATURAL.
Ao conjunto de verdades que Deus manifestou ao homem por meio da Revelação chama-se Religião REVELADA. Como veremos, a Religião revelada é a Religião Católica.
1.5.2. NÃO BASTA A RELIGIÃO NATURAL
Para a nossa salvação, não basta a Religião natural: não basta aceitar as verdades religiosas que a luz da razão nos pode ensinar; é necessário que aceitemos a Religião revelada.
Deus, na sua infinita bondade, quis abrir outro caminho que levasse diretamente a Ele, e com mais facilidade: o da Religião sobrenatural: Diz o Concílio Vaticano I na Constituição Dogmática: Dei Fílius que: «Quis a Sua sabedoria e bondade revelar-Se a Si próprio, ao género humano, e revelar os eternos decretos da sua vontade por outro caminho, e este sobrenatural» (Conc. Vaticano I, Const. dogm: Dei Fílius, c. 2; Dz. 1785). Fim da citação.
A razão disto é que não podemos conhecer, nem amar, nem servir a Deus como Ele quer e manda, senão aceitando as verdades, preceitos e meios de santificação que Ele Se dignou comunicar-nos.
Outro procedimento significaria desprezo pelo que Deus disse, considerando-o inútil ou indiferente. Estão, pois, em erro grave os que dizem: «Eu sou honesto; não roubo nem mato. É o que me basta para me salvar-.››Podemos dizer: O que isto lhes evitará é a cadeia e a desonra humana. Mas não poderão salvar-se se não cumprirem as condições, que Deus para isso lhes impôs.
Deus é de certa forma o nosso Amo e Senhor, e criou-nos para seu serviço. Em consequência, temos obrigação de O honrar e servir na forma que Ele Se digne determinar.
Se Deus nos não tivesse feito nenhuma revelação, bastaria a Religião natural para nos salvarmos. Desde o momento que Deus Se revela, não é lícito pensar que tanto faz uma religião como outra qualquer - indiferentismo religioso -, mas importa aceitar essa revelação divina, que constitui a única religião verdadeira.
1.5.3. DEVERES QUE NOS IMPÕE A RELIGIÃO REVELADA
Por conseguinte: A Religião revelada impõe-nos, em especial, três deveres:
a) O primeiro é aceitar as verdades que Deus nos comunicou.
b) O segundo, cumprir os mandamentos que nos impôs.
c) O terceiro é recorrer aos meios de santificação com que Ele mesmo quis ajudar a nossa debilidade.
Com efeito, Deus não quis deixar o homem abandonado ao erro, ao vício e à sua própria fraqueza; ao contrário:
a) Para nos libertar do erro, Ele mesmo revelou as verdades que devemos conhecer e crer.
b) Para nos libertar do vício, Ele mesmo determinou as obras que devemos praticar e as que devemos evitar.
c) Para ajudar a nossa debilidade, coloca à nossa disposição a sua graça por meio dos sacramentos, da oração, etc., mandando-nos recorrer a estes meios.
Em conclusão, diremos que nos é impossível conhecer, amar e servir a Deus, e salvar a nossa alma se não aceitarmos e praticarmos integralmente a Religião revelada.
Assim, Cristo não disse apenas: «Aquele que não acreditar condenar-se-á» (fé); mas «também disse: «Se quiseres alcançar a Vida, guarda os mandamentos» (moral), e «Se, alguém não nascer da água e do Espírito Santo não pode ver o Reino de Deus», e ainda «Se não comerdes a minha Carne, não tereis Vida em vós» (sacramentos) (cf. Mc. 16, 16, Mt. 19, 17, Ia. 3, 5 e 6, 54).
S. João Paulo II, na Homília da inauguração oficial do seu Pontificado, 22-XI-1978, afirmava: «Frequentemente, o homem de hoje não sabe o que tem dentro de si, na profundidade do seu ânimo, do seu coração. Muitas vezes ele sente-se inseguro acerca do sentido da vida neste mundo. Sente-se invadido pela dúvida, que se transforma em desespero. Permiti, pois - eu vo-lo peço, vos imploro, com humildade e confiança -, permiti que Cristo fale ao homem. Só Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna!›› (João Paulo II, Hom. na inauguração oficial do seu Pontificado, 22-XI-1978).
2. A. REVELAÇÃO SOBRENATURAL
2.1. A RELIGIÃO REVELADA ou REVELAÇÃO
2.1.1. NATUREZA DA REVELAÇÃO
a) Noção
A Revelação é a manifestação que Deus faz aos homens, de forma extraordinária, de algumas verdades religiosas, impondo-lhes a obrigação de nelas acreditar.
Diz-se «de forma extraordinária››, para a distinguir do conhecimento natural e ordinário que alcançamos por meio da razão ou do raciocínio.
Geralmente, Deus revela assim: manifesta as verdades que deseja se conheçam a algum homem por Ele escolhido, manda-lhe ensiná-las aos outros e prova com milagres que foi Ele mesmo quem as revelou. O Papa PAULO VI, no O Credo do Povo de Deus, afirmava: «Só Deus nos pode conceder um conhecimento recto e pleno de Si mesmo, revelando-Se como Pai, Filho e Espírito Santo, de cuja vida eterna somos chamados, pela graça, a participar aqui, na Terra, na obscuridade da fé, e, depois da morte, na luz sempiterna» (PAULO VI, O Credo do Povo de Deus, n. 9).
b) Revelações públicas e privadas
Em termos gerais, podemos distinguir duas espécies de revelações a Revelação pública e as revelações privadas.
1.° Revelação pública é a que Deus fez directamente para utilidade de todo o género humano. Por exemplo, a revelação feita a Moisés no monte Sinai e a revelação feita por Nosso Senhor Jesus Cristo.
2.° Revelações privadas são as que Deus tem feito a algumas pessoas para sua utilidade particular.
Exemplos: as feitas a Santa Gertrudes, a Santa Teresa de Jesus, a Santa Margarida Maria alacoque (quando Nosso Senhor lhe pediu o estabelecimento da festa do Sagrado Coração e da devoção das primeiras sextas-feiras), aos três pastorinhos aqui em Fátima, etc.
A Revelação pública foi feita por Deus directamente para utilidade de todo o género humano, e impõe a todos os homens a obrigação de a aceitar.
As revelações privadas, directamente, são feitas para utilidade particular, e não impõem a obrigação de as aceitar, senão às pessoas a quem foram feitas ou àquelas que têm plena certeza delas, o que raras vezes acontece.
Acerca das revelações privadas, convém observar:
a) As revelações privadas não fazem parte da fé, nem ensinam verdades novas: foram feitas para esclarecer as verdades já reveladas e para nos levar a avançar na perfeição cristã.
b) A Igreja não as aprova senão depois de maduro exame; e, ao aprová-las, não pretende ensinar que seja verdadeiro tudo o que delas se diga, nem, muito menos, torná-las obrigatórias. Somente garante que nelas nada se diz contrário à fé e aos bons costumes.
c) Não podemos desprezar as revelações privadas, pois, em geral, contêm ensinamentos de grande utilidade para a vida cristã.
d) Algumas vezes, a aprovação da Igreja não é simples certificação de que nada há nelas contra a fé e a moral, mas sim uma afirmação da sua origem divina, É o que se dá, por exemplo, com as revelações do escapulário do Carmo a S. Simão Stok, da revelação do Sagrado Coração de jesus a Santa Margarida Maria, etc. Embora em nenhum caso cheguem a ser artigos de fé.
As outras revelações apenas merecem fé humana, de acordo com as condições intelectuais e morais de quem as recebeu.
A Revelação pública terminou com os Apóstolos: depois deles, Deus não revelou novas verdades que sejam objecto de fé.
e) Conteúdo da Revelação, diz o Conc. Vaticano II, na Constituição dogmática Dei Verbum, no nº 6:
«Pela divina Revelação, quis Deus comunicar-Se a Si mesmo e também comunicar os decretos eternos da sua vontade acerca da salvação dos homens, para os fazer participantes dos bens divinos que ultrapassam de modo absoluto a inteligência da mente humana» (Conc. Vaticano II, Const. dogm. Dei Verbum, n. 6).
O conteúdo da Revelação é o próprio Deus e os seus eternos decretos de salvação.
Dentre estas verdades:
a) algumas, não as podia conhecer a nossa razão;
b) Outras, podia conhecê-las, mas com muita dificuldade e incerteza.
Assim, de maneira nenhuma poderíamos conhecer o mistério da Santíssima Trindade.
Poderíamos conhecer, mas com dificuldade, incerteza e mistura de erro, outras verdades, por exemplo: que há um só Deus, que é Espírito Puro e Criador de tudo quanto existe; que a alma humana é imortal, etc.
1.° Deus quis revelar-nos verdades que de modo algum poderíamos conhecer pela pura razão, a fim de nos dar a conhecer a ordem sobrenatural.
A ordem sobrenatural consiste na elevação do homem, pela graça santificante, de simples criatura à dignidade de filho de Deus e herdeiro do Céu. E consiste também nos meios que Deus escolheu para nos devolver a graça e o direito ao Céu, que perdemos com o pecado; principalmente, os mistérios da Encarnação e da Redenção.
2.° O Concílio Vaticano I, na Constituição dogmática Dei Filius: «Deus quis manifestar-nos verdades que a nossa razão poderia conhecer, mas com dificuldade, incerteza e mistura de erro, a fim de que todos os homens pudessem conhecê-las com facilidade, com certeza e sem mistura de erro». (cf. Conc. Vaticano I, Const. dogm. Dei Filius, Dz. 1786).
2.2. NECESSIDADE DA REVELAÇÃO
2.2.1. NECESSIDADE ABSOLUTA E NECESSIDADE MORAL.
Uma coisa pode ser necessária de dois modos:
a) É absolutamente necessária, quando sem ela nos é completamente impossível conseguir o que desejamos.
b) É moralmente necessária, quando sem ela podemos alcançar o que desejamos, mas com grave dificuldade e deficiência.
Assim, sem estudar de algum modo, é-nos absolutamente impossível aprender. E sem mestre é-nos muito difícil, isto é, quase impossível aprender uma ciência de alto grau de dificuldade, como por exemplo: a física nuclear ou a filosofia.
Efectivamente, são muito poucos os que têm inteligência e constância suficientes para, sozinhos, chegar ao termo de tais estudos.
Para mais, os que estudam sem mestre, estão expostos a graves deficiências: p. ex., erros, dúvidas, lacunas; a fazer um estudo errado, incompleto e pouco firme.
2.2.2. EM QUE SENTIDO É NECESSÁRIA A REVELAÇÃO
A Revelação é absolutamente necessária, num sentido, e moralmente necessária noutro sentido.
1.° A Revelação é absolutamente necessária para conhecermos a ordem sobrenatural, a que Deus Se dignou elevar-nos.
«Visto que nos elevou à ordem sobrenatural, era indispensável que nos manifestasse essa ordem» - diz S. Tomás (S. Th., I, q. 1, a. 1).
De que serve a uma criança que uma pessoa muita rica a aceite como filho e a nomeie herdeiro de avultada quantia, se não a avisar de que a fez seu herdeiro, nem das condições necessárias para receber a herança? Assim, de que nos serviria que Deus nos houvesse feito filhos e herdeiros seus, se não nos tivesse revelado a nossa condição de filhos e os meios necessários para obtermos a herança do Céu?
2.° A Revelação é moralmente necessária para que as verdades religiosas de ordem natural possam ser conhecidas por todos com facilidade, com firme certeza e sem mistura de qualquer erro (cf. Dz. 1786; Conc. Vat. II, Const. Dei Verbum, n. 6).
Com efeito, embora não seja impossível que os mais bem dotados consigam chegar por si sós a esses conhecimentos, dificilmente o farão, e com insegurança; quanto à generalidade dos homens, a Revelação continuaria a ser necessária.
Já S. Tomás advertia que grande parte dos homens, ou por falta de talento, ou de tempo, ou de formação, ou ainda por estarem dominados por paixões e interesses pessoais, nunca chegariam por si próprios a esse conhecimento (cf. C.G., 1, 4).
Por sua vez, também a História prova esta necessidade: mesmo os maiores filósofos da Antiguidade caíram em graves erros de ordem religiosa e moral; e os povos a quem até hoje não chegou a luz da Revelação ainda vivem mergulhados em graves erros.
Vamos agora entrar noutro tema:
1.4. NATUREZA DA RELIGIÃO
1.4.1. SENTIDO E ORIGEM DA PALAVRA RELIGIÃO
A palavra Religião engloba dois sentidos principais:
a) Como ciência que aperfeiçoa o nosso entendimento - e assim dizemos que a Religião é a mais necessária das ciências. Recebe também o nome de Teologia (a qual é composta pelas palavras da língua gregas: Theos – significa Deus- e logos – que significa tratado-)
b) (Religião) Como virtude que aperfeiçoa a nossa vontade - e neste sentido dizemos que tal pessoa é muito religiosa. S. Tomás na sua Suma Teológica define-a como a virtude que nos inclina a prestar a Deus o respeito, a honra e o culto devidos (cf. S. T/J. II-II, q. 81, a. 5).
Aqui, apenas trataremos da Religião como ciência; quanto à virtude, estuda-se na Moral (*).
É bom, por outro lado, observar que do conhecimento da Religião nasce a virtude da religião, pois não podemos amar, honrar e servir a Deus sem previamente O conhecermos.
A palavra Religião vem do latim religare, que significa ligar, atar; pois a Religião é o laço que une o homem a Deus mediante o amor e o serviço.
1.4.2. DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO
A Religião é a ciência que nos ensina o conhecimento de Deus, dos deveres que Deus nos impôs, e dos meios que nos levam a Ele.
1.° Diz-se que é a ciência do conhecimento de Deus, porque a primeira coisa que ensina são as verdades acerca do próprio Deus. Ensina também certo número de verdades que indirectamente se referem a Deus e que tomam o nome de verdades religiosas; exemplo, a existência da alma humana, da vida depois da morte, etc.
2.° A Religião é a ciência dos deveres que Deus nos impôs, porque sendo Deus o Ser Supremo e também o nosso Criador e último fim, nos impôs certos deveres que temos obrigação de cumprir e que a Religião nos indica.
Desses deveres, uns dirigem-se directamente a Deus, outros ao próximo, outros a nós mesmos. Por exemplo:
a) Para com Deus, temos o dever de O adorar e O servir.
b) Para com o próximo, o dever de respeitar-lhe a vida e os bens.
c) Para com nós mesmos, o de procurar a nossa salvação.
3.° Acrescenta-se que a Religião é a ciência dos meios que levam a Deus, porque o próprio Deus Se dignou manifestar-nos alguns meios muito adequados para nos conduzir para Ele, meios esses que a Religião estuda; por exemplo, a oração e os sacramentos.
Deus, na sua bondade, dispôs que esses meios, ao mesmo tempo que honram a Deus, santifiquem a nossa alma. Por isso recebem o nome de meios de santificação.
1.4.3. ELEMENTOS QUE CONTÉM
Do que fica dito se depreendem os três elementos que integram a Religião como ciência: o Dogma, a Moral e o Culto.
O Dogma – ou Teologia dogmática -compreende as verdades que devemos crer. A Teologia Moral, ou simplesmente Moral, ensina as obras que devemos praticar. E o Culto, os meios de santificação com que honramos a Deus e procuramos a salvação; estes meios são estudados na Teologia dos Sacramentos.
Os elementos da Religião estão compendiados, principalmente, em: O Dogma - no Credo; a Moral - nos Mandamentos; o Culto - na Oração e nos Sacramentos. As diversas cerimónias da Igreja com que se presta o Culto, têm o nome de Liturgia.
O Dogma é o elemento que constitui o ponto de partida da Religião.
Com efeito, sem conhecer a Deus, a Religião por Ele revelada e a Igreja por Ele fundada, dificilmente poderemos obedecer aos seus Mandamentos ou beneficiar dos meios de santificação que nos oferece.
1.4.4. O FIM DA RELIGIÃO
Na Religião podemos distinguir um duplo fim:
a) O seu fim próximo, que é o conhecimento, o amor e o serviço de Deus nesta vida.
b) E o seu fim remoto, que é procurarmos alcançar a posse de Deus no Céu.
1.5. RELIGIÃO NATURAL E RELIGIÃO REVELADA
1.5.1. NOÇÃO
Conhecemos a Deus de dois modos: por meio da razão e por meio da revelação.
a) A razão é a luz natural que Deus deu ao nosso entendimento para conhecermos as coisas.
Com a simples força da razão natural - isto é, sem intervenção especial de Deus podemos conhecer várias verdades religiosas; p. ex., que há um só Deus, que temos alma, que há uma outra vida depois da morte, etc. (cf. Dz. 1785, 1806, 2145, etc.).
b) A Revelação é a manifestação feita por Deus aos homens de algumas verdades de ordem religiosa; por exemplo: que Jesus Cristo é o Filho de Deus feito homem e que morreu para nos salvar; ou que em Deus há três Pessoas distintas; etc.
Ao conjunto das verdades religiosas que o homem pode conhecer pela simples luz da razão dá-se o nome de Religião NATURAL.
Ao conjunto de verdades que Deus manifestou ao homem por meio da Revelação chama-se Religião REVELADA. Como veremos, a Religião revelada é a Religião Católica.
1.5.2. NÃO BASTA A RELIGIÃO NATURAL
Para a nossa salvação, não basta a Religião natural: não basta aceitar as verdades religiosas que a luz da razão nos pode ensinar; é necessário que aceitemos a Religião revelada.
Deus, na sua infinita bondade, quis abrir outro caminho que levasse diretamente a Ele, e com mais facilidade: o da Religião sobrenatural: Diz o Concílio Vaticano I na Constituição Dogmática: Dei Fílius que: «Quis a Sua sabedoria e bondade revelar-Se a Si próprio, ao género humano, e revelar os eternos decretos da sua vontade por outro caminho, e este sobrenatural» (Conc. Vaticano I, Const. dogm: Dei Fílius, c. 2; Dz. 1785). Fim da citação.
A razão disto é que não podemos conhecer, nem amar, nem servir a Deus como Ele quer e manda, senão aceitando as verdades, preceitos e meios de santificação que Ele Se dignou comunicar-nos.
Outro procedimento significaria desprezo pelo que Deus disse, considerando-o inútil ou indiferente. Estão, pois, em erro grave os que dizem: «Eu sou honesto; não roubo nem mato. É o que me basta para me salvar-.››Podemos dizer: O que isto lhes evitará é a cadeia e a desonra humana. Mas não poderão salvar-se se não cumprirem as condições, que Deus para isso lhes impôs.
Deus é de certa forma o nosso Amo e Senhor, e criou-nos para seu serviço. Em consequência, temos obrigação de O honrar e servir na forma que Ele Se digne determinar.
Se Deus nos não tivesse feito nenhuma revelação, bastaria a Religião natural para nos salvarmos. Desde o momento que Deus Se revela, não é lícito pensar que tanto faz uma religião como outra qualquer - indiferentismo religioso -, mas importa aceitar essa revelação divina, que constitui a única religião verdadeira.
1.5.3. DEVERES QUE NOS IMPÕE A RELIGIÃO REVELADA
Por conseguinte: A Religião revelada impõe-nos, em especial, três deveres:
a) O primeiro é aceitar as verdades que Deus nos comunicou.
b) O segundo, cumprir os mandamentos que nos impôs.
c) O terceiro é recorrer aos meios de santificação com que Ele mesmo quis ajudar a nossa debilidade.
Com efeito, Deus não quis deixar o homem abandonado ao erro, ao vício e à sua própria fraqueza; ao contrário:
a) Para nos libertar do erro, Ele mesmo revelou as verdades que devemos conhecer e crer.
b) Para nos libertar do vício, Ele mesmo determinou as obras que devemos praticar e as que devemos evitar.
c) Para ajudar a nossa debilidade, coloca à nossa disposição a sua graça por meio dos sacramentos, da oração, etc., mandando-nos recorrer a estes meios.
Em conclusão, diremos que nos é impossível conhecer, amar e servir a Deus, e salvar a nossa alma se não aceitarmos e praticarmos integralmente a Religião revelada.
Assim, Cristo não disse apenas: «Aquele que não acreditar condenar-se-á» (fé); mas «também disse: «Se quiseres alcançar a Vida, guarda os mandamentos» (moral), e «Se, alguém não nascer da água e do Espírito Santo não pode ver o Reino de Deus», e ainda «Se não comerdes a minha Carne, não tereis Vida em vós» (sacramentos) (cf. Mc. 16, 16, Mt. 19, 17, Ia. 3, 5 e 6, 54).
S. João Paulo II, na Homília da inauguração oficial do seu Pontificado, 22-XI-1978, afirmava: «Frequentemente, o homem de hoje não sabe o que tem dentro de si, na profundidade do seu ânimo, do seu coração. Muitas vezes ele sente-se inseguro acerca do sentido da vida neste mundo. Sente-se invadido pela dúvida, que se transforma em desespero. Permiti, pois - eu vo-lo peço, vos imploro, com humildade e confiança -, permiti que Cristo fale ao homem. Só Ele tem palavras de vida; sim, de vida eterna!›› (João Paulo II, Hom. na inauguração oficial do seu Pontificado, 22-XI-1978).
2. A. REVELAÇÃO SOBRENATURAL
2.1. A RELIGIÃO REVELADA ou REVELAÇÃO
2.1.1. NATUREZA DA REVELAÇÃO
a) Noção
A Revelação é a manifestação que Deus faz aos homens, de forma extraordinária, de algumas verdades religiosas, impondo-lhes a obrigação de nelas acreditar.
Diz-se «de forma extraordinária››, para a distinguir do conhecimento natural e ordinário que alcançamos por meio da razão ou do raciocínio.
Geralmente, Deus revela assim: manifesta as verdades que deseja se conheçam a algum homem por Ele escolhido, manda-lhe ensiná-las aos outros e prova com milagres que foi Ele mesmo quem as revelou. O Papa PAULO VI, no O Credo do Povo de Deus, afirmava: «Só Deus nos pode conceder um conhecimento recto e pleno de Si mesmo, revelando-Se como Pai, Filho e Espírito Santo, de cuja vida eterna somos chamados, pela graça, a participar aqui, na Terra, na obscuridade da fé, e, depois da morte, na luz sempiterna» (PAULO VI, O Credo do Povo de Deus, n. 9).
b) Revelações públicas e privadas
Em termos gerais, podemos distinguir duas espécies de revelações a Revelação pública e as revelações privadas.
1.° Revelação pública é a que Deus fez directamente para utilidade de todo o género humano. Por exemplo, a revelação feita a Moisés no monte Sinai e a revelação feita por Nosso Senhor Jesus Cristo.
2.° Revelações privadas são as que Deus tem feito a algumas pessoas para sua utilidade particular.
Exemplos: as feitas a Santa Gertrudes, a Santa Teresa de Jesus, a Santa Margarida Maria alacoque (quando Nosso Senhor lhe pediu o estabelecimento da festa do Sagrado Coração e da devoção das primeiras sextas-feiras), aos três pastorinhos aqui em Fátima, etc.
A Revelação pública foi feita por Deus directamente para utilidade de todo o género humano, e impõe a todos os homens a obrigação de a aceitar.
As revelações privadas, directamente, são feitas para utilidade particular, e não impõem a obrigação de as aceitar, senão às pessoas a quem foram feitas ou àquelas que têm plena certeza delas, o que raras vezes acontece.
Acerca das revelações privadas, convém observar:
a) As revelações privadas não fazem parte da fé, nem ensinam verdades novas: foram feitas para esclarecer as verdades já reveladas e para nos levar a avançar na perfeição cristã.
b) A Igreja não as aprova senão depois de maduro exame; e, ao aprová-las, não pretende ensinar que seja verdadeiro tudo o que delas se diga, nem, muito menos, torná-las obrigatórias. Somente garante que nelas nada se diz contrário à fé e aos bons costumes.
c) Não podemos desprezar as revelações privadas, pois, em geral, contêm ensinamentos de grande utilidade para a vida cristã.
d) Algumas vezes, a aprovação da Igreja não é simples certificação de que nada há nelas contra a fé e a moral, mas sim uma afirmação da sua origem divina, É o que se dá, por exemplo, com as revelações do escapulário do Carmo a S. Simão Stok, da revelação do Sagrado Coração de jesus a Santa Margarida Maria, etc. Embora em nenhum caso cheguem a ser artigos de fé.
As outras revelações apenas merecem fé humana, de acordo com as condições intelectuais e morais de quem as recebeu.
A Revelação pública terminou com os Apóstolos: depois deles, Deus não revelou novas verdades que sejam objecto de fé.
e) Conteúdo da Revelação, diz o Conc. Vaticano II, na Constituição dogmática Dei Verbum, no nº 6:
«Pela divina Revelação, quis Deus comunicar-Se a Si mesmo e também comunicar os decretos eternos da sua vontade acerca da salvação dos homens, para os fazer participantes dos bens divinos que ultrapassam de modo absoluto a inteligência da mente humana» (Conc. Vaticano II, Const. dogm. Dei Verbum, n. 6).
O conteúdo da Revelação é o próprio Deus e os seus eternos decretos de salvação.
Dentre estas verdades:
a) algumas, não as podia conhecer a nossa razão;
b) Outras, podia conhecê-las, mas com muita dificuldade e incerteza.
Assim, de maneira nenhuma poderíamos conhecer o mistério da Santíssima Trindade.
Poderíamos conhecer, mas com dificuldade, incerteza e mistura de erro, outras verdades, por exemplo: que há um só Deus, que é Espírito Puro e Criador de tudo quanto existe; que a alma humana é imortal, etc.
1.° Deus quis revelar-nos verdades que de modo algum poderíamos conhecer pela pura razão, a fim de nos dar a conhecer a ordem sobrenatural.
A ordem sobrenatural consiste na elevação do homem, pela graça santificante, de simples criatura à dignidade de filho de Deus e herdeiro do Céu. E consiste também nos meios que Deus escolheu para nos devolver a graça e o direito ao Céu, que perdemos com o pecado; principalmente, os mistérios da Encarnação e da Redenção.
2.° O Concílio Vaticano I, na Constituição dogmática Dei Filius: «Deus quis manifestar-nos verdades que a nossa razão poderia conhecer, mas com dificuldade, incerteza e mistura de erro, a fim de que todos os homens pudessem conhecê-las com facilidade, com certeza e sem mistura de erro». (cf. Conc. Vaticano I, Const. dogm. Dei Filius, Dz. 1786).
2.2. NECESSIDADE DA REVELAÇÃO
2.2.1. NECESSIDADE ABSOLUTA E NECESSIDADE MORAL.
Uma coisa pode ser necessária de dois modos:
a) É absolutamente necessária, quando sem ela nos é completamente impossível conseguir o que desejamos.
b) É moralmente necessária, quando sem ela podemos alcançar o que desejamos, mas com grave dificuldade e deficiência.
Assim, sem estudar de algum modo, é-nos absolutamente impossível aprender. E sem mestre é-nos muito difícil, isto é, quase impossível aprender uma ciência de alto grau de dificuldade, como por exemplo: a física nuclear ou a filosofia.
Efectivamente, são muito poucos os que têm inteligência e constância suficientes para, sozinhos, chegar ao termo de tais estudos.
Para mais, os que estudam sem mestre, estão expostos a graves deficiências: p. ex., erros, dúvidas, lacunas; a fazer um estudo errado, incompleto e pouco firme.
2.2.2. EM QUE SENTIDO É NECESSÁRIA A REVELAÇÃO
A Revelação é absolutamente necessária, num sentido, e moralmente necessária noutro sentido.
1.° A Revelação é absolutamente necessária para conhecermos a ordem sobrenatural, a que Deus Se dignou elevar-nos.
«Visto que nos elevou à ordem sobrenatural, era indispensável que nos manifestasse essa ordem» - diz S. Tomás (S. Th., I, q. 1, a. 1).
De que serve a uma criança que uma pessoa muita rica a aceite como filho e a nomeie herdeiro de avultada quantia, se não a avisar de que a fez seu herdeiro, nem das condições necessárias para receber a herança? Assim, de que nos serviria que Deus nos houvesse feito filhos e herdeiros seus, se não nos tivesse revelado a nossa condição de filhos e os meios necessários para obtermos a herança do Céu?
2.° A Revelação é moralmente necessária para que as verdades religiosas de ordem natural possam ser conhecidas por todos com facilidade, com firme certeza e sem mistura de qualquer erro (cf. Dz. 1786; Conc. Vat. II, Const. Dei Verbum, n. 6).
Com efeito, embora não seja impossível que os mais bem dotados consigam chegar por si sós a esses conhecimentos, dificilmente o farão, e com insegurança; quanto à generalidade dos homens, a Revelação continuaria a ser necessária.
Já S. Tomás advertia que grande parte dos homens, ou por falta de talento, ou de tempo, ou de formação, ou ainda por estarem dominados por paixões e interesses pessoais, nunca chegariam por si próprios a esse conhecimento (cf. C.G., 1, 4).
Por sua vez, também a História prova esta necessidade: mesmo os maiores filósofos da Antiguidade caíram em graves erros de ordem religiosa e moral; e os povos a quem até hoje não chegou a luz da Revelação ainda vivem mergulhados em graves erros.