A Caridade ao Próximo como Dever da Igreja
O Papa Bento
XVI escreveu a sua primeira Carta Encíclica, intitulada “Deus caristas est” – Deus
é Caridade, na qual magistralmente aborda ensinamentos sobre a caridade ou amor
ao próximo, sublinhando que esta constitui um aspecto essencial na missão da
Igreja. Aqui apresentamos alguns números dessa importante Encíclica. O grupo de
evangelização “amigos de Jesus e Maria” procura precisamente responder às
necessidades do próximo, em todas as suas dimensões, ou seja, a santidade
(saúde da alma) e a saúde do corpo, através do cumprimento das leis naturais,
morais e espirituais do Senhor Nosso Deus.
19. (…) «Toda a actividade da Igreja é manifestação dum amor que procura o bem integral do ser humano: procura a sua evangelização por meio da Palavra e dos Sacramentos, empreendimento este muitas vezes heróico nas suas realizações históricas; e procura a sua promoção nos vários sectores da vida e da actividade humana. Portanto, é amor o serviço que a Igreja exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às necessidades, mesmo materiais, dos seres humanos. É sobre este aspecto, sobre este serviço da caridade, que desejo deter-me nesta segunda parte da Encíclica.
19. (…) «Toda a actividade da Igreja é manifestação dum amor que procura o bem integral do ser humano: procura a sua evangelização por meio da Palavra e dos Sacramentos, empreendimento este muitas vezes heróico nas suas realizações históricas; e procura a sua promoção nos vários sectores da vida e da actividade humana. Portanto, é amor o serviço que a Igreja exerce para acorrer constantemente aos sofrimentos e às necessidades, mesmo materiais, dos seres humanos. É sobre este aspecto, sobre este serviço da caridade, que desejo deter-me nesta segunda parte da Encíclica.
A caridade como dever da Igreja
20. O amor do próximo, radicado
no amor de Deus, é um dever, antes de mais, para cada um dos fiéis, mas é-o
também para a comunidade eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: da
comunidade local, passando pela Igreja particular, até à Igreja universal na
sua globalidade. A Igreja, enquanto comunidade, também deve praticar o amor.
Consequência disto é que o amor também precisa de organização, enquanto
pressuposto para um serviço comunitário ordenado. A consciência de tal dever
teve relevância constitutiva na Igreja desde os seus inícios: «Todos os crentes
viviam unidos e possuíam tudo em comum. Vendiam terras e outros bens e distribuíam
o dinheiro por todos de acordo com as necessidades de cada um» (Act 2,44-45).
Lucas conta-nos isto no contexto duma espécie de definição da Igreja, entre
cujos elementos constitutivos enumera a adesão ao «ensino dos Apóstolos», à
«comunhão» (κoinonia), à «fracção do pão» e às «orações» (cf. Act 2,42). O
elemento da «comunhão» (κoinonia), que aqui ao início, não é especificado,
aparece depois concretizado nos versículos anteriormente citados: consiste
precisamente no facto de os crentes terem tudo em comum, pelo que, no seu meio,
já não subsiste a diferença entre ricos e pobres (cf. Também Act 4,32-37). Com
o crescimento da Igreja, esta forma radical de comunhão material – verdade se
diga – não pôde ser mantida. Mas o núcleo essencial ficou: no seio da
comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam
negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna.
21. Um passo decisivo na difícil busca de soluções para realizar este princípio eclesial fundamental torna-se patente naquela escolha de sete homens que foi o início do ofício diaconal (cf. Act 6,5-6). De facto, na Igreja primitiva tinha-se gerado, na distribuição quotidiana às viúvas, uma disparidade entre a parte de língua hebraica e a de língua grega. Os Apóstolos, a quem estavam confiados, antes de mais, a «oração» (Eucaristia e Liturgia) e o «serviço da Palavra», sentiram-se excessivamente sobrecarregados pelo «serviço das mesas»; decidiram, por isso, reservar para eles o ministério principal e criar, para a outra missão, também ela necessária na Igreja, um organismo de sete pessoas. Mas este grupo não devia realizar um serviço meramente técnico de distribuição: deviam ser homens «cheios do Espírito Santo e de sabedoria» (cf. Act 6,1-6). Quer dizer que o serviço social que tinham de cumprir era concreto sem dúvida nenhuma, mas, ao mesmo tempo, era também um serviço espiritual; tratava-se, na verdade, de um ofício verdadeiramente espiritual, que realizava um dever essencial na Igreja, o do amor bem ordenado ao próximo. Com a formação deste organismo dos Sete, a «diaconia» - o serviço do amor ao próximo, exercido comunitariamente e de modo ordenado – ficara implantada na estrutura fundamental da própria Igreja.
22. Com o passar dos anos e a progressiva difusão da Igreja, a prática da caridade confirmou-se como uma das suas funções essenciais, juntamente com a celebração dos Sacramentos e o anúncio da Palavra: praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os doentes e necessitados de qualquer género, pertence tanto à sua essência como o serviço dos sacramentos e o anúncio do Evangelho. A Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal com não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra. Para o demonstrar, bastam alguns exemplos. O mártir Justino (┼ c. 155), no contexto da celebração dominical dos cristãos, descreve também a sua actividade caritativa relacionada com a Eucaristia enquanto tal. As pessoas abastadas fazem a sua oferta na medida das suas possibilidades, cada uma dando o que quer; o Bispo serve-se disso para sustentar os órfãos, as viúvas e aqueles que, por doenças ou outros motivos, passam necessidade, bem como os presos e os forasteiros[1]. O grande escritor Tertuliano (┼ depois de 220) narra como a solicitude dos cristãos pelos necessitados de qualquer género suscitava a admiração dos pagãos[2]. E, quando Inácio de Antioquia (┼ por 117) designa a Igreja de Roma como aquela que «preside à caridade (ágape)»[3], pode-se supor que ele também quisesse, com tal definição, exprimir de algum modo a sua actividade caritativa concreta».
21. Um passo decisivo na difícil busca de soluções para realizar este princípio eclesial fundamental torna-se patente naquela escolha de sete homens que foi o início do ofício diaconal (cf. Act 6,5-6). De facto, na Igreja primitiva tinha-se gerado, na distribuição quotidiana às viúvas, uma disparidade entre a parte de língua hebraica e a de língua grega. Os Apóstolos, a quem estavam confiados, antes de mais, a «oração» (Eucaristia e Liturgia) e o «serviço da Palavra», sentiram-se excessivamente sobrecarregados pelo «serviço das mesas»; decidiram, por isso, reservar para eles o ministério principal e criar, para a outra missão, também ela necessária na Igreja, um organismo de sete pessoas. Mas este grupo não devia realizar um serviço meramente técnico de distribuição: deviam ser homens «cheios do Espírito Santo e de sabedoria» (cf. Act 6,1-6). Quer dizer que o serviço social que tinham de cumprir era concreto sem dúvida nenhuma, mas, ao mesmo tempo, era também um serviço espiritual; tratava-se, na verdade, de um ofício verdadeiramente espiritual, que realizava um dever essencial na Igreja, o do amor bem ordenado ao próximo. Com a formação deste organismo dos Sete, a «diaconia» - o serviço do amor ao próximo, exercido comunitariamente e de modo ordenado – ficara implantada na estrutura fundamental da própria Igreja.
22. Com o passar dos anos e a progressiva difusão da Igreja, a prática da caridade confirmou-se como uma das suas funções essenciais, juntamente com a celebração dos Sacramentos e o anúncio da Palavra: praticar o amor para com as viúvas e os órfãos, os presos, os doentes e necessitados de qualquer género, pertence tanto à sua essência como o serviço dos sacramentos e o anúncio do Evangelho. A Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal com não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra. Para o demonstrar, bastam alguns exemplos. O mártir Justino (┼ c. 155), no contexto da celebração dominical dos cristãos, descreve também a sua actividade caritativa relacionada com a Eucaristia enquanto tal. As pessoas abastadas fazem a sua oferta na medida das suas possibilidades, cada uma dando o que quer; o Bispo serve-se disso para sustentar os órfãos, as viúvas e aqueles que, por doenças ou outros motivos, passam necessidade, bem como os presos e os forasteiros[1]. O grande escritor Tertuliano (┼ depois de 220) narra como a solicitude dos cristãos pelos necessitados de qualquer género suscitava a admiração dos pagãos[2]. E, quando Inácio de Antioquia (┼ por 117) designa a Igreja de Roma como aquela que «preside à caridade (ágape)»[3], pode-se supor que ele também quisesse, com tal definição, exprimir de algum modo a sua actividade caritativa concreta».